Ventó

Nº de referência da peça: 
F1396

A “Ventó” writing box
India, probably Chaul; early-17th century
Wood, dyed shellac and silver
Dim: 30.0 x 27.0 x 36.5 cm

Ventó
Índia, provavelmente Chaul; século XVII (inícios)
Madeira revestida a goma-laca de cores; ferragens de prata
Dim: 30,0 x 27,0 x 36,5 cm

Such rare storage furniture typologies – boxes with one door to their narrower sides, opening towards the right and featuring inner drawers of various formats – became known in Portuguese as ventó, from the Japanese word bento. Nonetheless, and according to the earliest Nippo-Portuguese dictionary, the “Vocabulario da lingoa de Iapam”, published in 1603, the Japanese bentō, refers, even nowadays, to a food box.
The original Japanese prototype for the ventó is known as kakesuzuri-bako, literally a “portable writing box”. However, when featuring a single door to one of its shorter sides, and robust safe like hardware, this box is named dansu, or “sea chest” - a “seal box” destined for storing writing paraphernalia or valuables such as coins .
As such, and contrary to most other typologies, the ventó reflects a Japanese, rather than a European model, a detail that grants it a unique position in the context of Asian made furniture for the European market.

Of teakwood carcass (Tectona grandis), this ventó features unique bright coloured and vibrant shellac painted decoration, characterised by three horizontal rows of stylized flowering plants, bushes and trees, on all its outer elevations and inner door. This rug-like pattern composition comprises of large central grounds filled with floral rows, whose stylization does not allow for botanical identification, and narrow, purely geometrical borders.
The box silver fittings include ring pulls, hinges and a shield shaped and pierced lock escutcheon that is reminiscent of European Mannerist heraldic. Also of far eastern influence, as expected in this type of object and production, the metalware finely chiselled ornamentation of foliage scrolls and ruyi shaped motifs, does however reveal Chinese, rather than Japanese, inspiration.
Once open, the box exhibits a group of five different drawers arranged over four tiers, with a larger, double height square drawer to the lower left side, their brightly dyed shellac painted decoration following a reticulated textile pattern of stylized serrated leaves and white highlighted three petalled flowers.

This ventó belongs to a specific group of boxes featuring dyed shellac decoration. Despite the existence of furniture with identical ornamentation produced in India’s north-western coast for exporting to the Portuguese and other European markets, this cluster suggests an entirely different origin . Recent documental research points to Chaul, then a part of Portuguese India’s northern province, and modern day Revdanda Fort, in Maharashtra, as the origin for this uncommon production.
In his travel journal, François Pyrard de Laval (ca. 1578-ca. 1623), refers that “[Chaul’s] main production are the silks fabrics, made in such quantities that almost supply the needs of Goa and all of India, being completely different from those made in China”. Besides these silk textiles, this author also reports that Chaul produces “a large quantity of caskets, chests, boxes and writing cabinets in the manner of China and very well made” and “lacquered cots and beds of every colour” .
In addition to our recently identified example, only a handful of similarly decorated ventós are known. Two of these, from the Celso Roboredo Madeira Almendra collection, were for several decades exhibited at the National Museum of Ancient Art, in Lisbon. One other, (36.5 x 33.0 x 46.0 cm), of floral reliefs decoration similar to one of the above, belongs to the Távora-Sequeira Pinto collection, in Oporto . Both of black coloured ground surface, they feature more formal floral arrangements, possibly inspired by contemporary botanical prints.
The inner door and drawer fronts of the Roboredo Madeira ventó feature scenes depicting Portuguese architectures, including a church, couples attired in contemporary Portuguese costume, and even African servants holding parasols, as well as peculiar hunting depictions such as a Franciscan friar shooting birds with an arquebus, hunters on horseback, and scenes with tigers and deer. All these aspects corroborate the suggestion of Portuguese ruled Chaul as its likely production centre.
On its door interior, of bright orange-red ground, the second Roboredo Madeira box depicts a landscape with a Portuguese building, with characteristic high pitched tiled roof, and a large flowering tree like the one present on our box.
All these examples, contrary to the varnished furniture produced in northern India, namely in Sindh and in the European taste, share a common far eastern, or even a Chinese influence, in their ornamental grammar. The present ventó textile patterning of floral reticulated motifs does most certainly suggest a more southern Indian artistic tradition.

Hugo Miguel Crespo
Centre for History, University of Lisbon

Bibliography:

CARVALHO, Teresa Nobre de, Clara Serra, As Flores do Imperador. Do Bolbo ao Tapete (cat.), Lisboa, Museu Calouste Gulbenkian, 2018

CRESPO, Hugo Miguel, Choices, Lisboa, AR-PAB, 2016

CRESPO, Hugo Miguel, A Índia em Portugal. Um Tempo de Confluências Artísticas (cat.), Porto, Bluebook, 2021

PYRARD DE LAVAL François, Voyage de Pyrard de Laval aux Indes orientales (1601- 1611), ed. Geneviève Bouchon, Xavier de Castro, vol. 2, Paris, Chandeigne, 1

--

Objectos como este raro e importante móvel de conter - um contador de porta frontal a abrir para a direita dotado de gavetas interiores de variadas formas - ficaram conhecidos em português como ventó, de bentó, palavra de origem japonesa. Porém, o termo japonês bentō, o qual passou ao português, segundo a definição no primeiro dicionário nipo-português publicado em 1603, o Vocabulario da lingoa de Iapam, refere-se mesmo hoje a uma caixa para comida. O protótipo original japonês, que serviu de modelo para o ventó, é conhecido em japonês por kakesuzuri-bako, literalmente “caixa de escrita portátil”. Este móvel de conter japonês, com sua porta frontal e ferragens como as de uma caixa-forte, tornando-o inexpugnável, é denominado dansu, ou “baú de mar”: uma “caixa para selos” para guardar instrumentos de escrita e objectos de valor como moedas, de uma única porta frontal articulada, geralmente com complexas ferragens metálicas. O ventó é caso único no mobiliário asiático feito para o mercado europeu, uma vez que a sua forma é de origem local asiática e não europeia como a maioria das outras tipologias conhecidas.
Este ventó é em teca (Tectona grandis) e apresenta uma decoração única, pintada a goma-laca de cores vivas e vibrantes, representando três fiadas horizontais de plantas floridas estilizadas, arbustos e árvores em todas as faces exteriores (excepto o fundo) e o interior da porta frontal. A decoração é em tapete, com grandes campos centrais totalmente ocupados por fileiras florais e cercaduras estreitas puramente geométricas. O grau de estilização das árvores floridas não permite qualquer identificação botânica. As ferragens em prata incluem os puxadores de argola das gavetas interiores, duas dobradiças na porta frontal e o espelho de fechadura vazado e recortado em forma de escudo reminiscente da heráldica maneirista europeia. Com a mesma forte influência extremo-oriental que encontramos neste tipo de objecto (o ventó) e produção, a decoração finamente cinzelada das ferragens revela influência chinesa e apresenta enrolamentos vegetalistas e motivos em forma de ruyi. Este ventó abre-se para revelar cinco gavetas de diferentes formatos dispostas em quatro renques, com uma gaveta quadrada maior no canto inferior esquerdo ocupando a altura de duas fileiras. A decoração pintada nas frentes das gavetas a goma-laca de cores vivas segue um padrão têxtil reticulado de folhas serreadas estilizadas e flores de três pétalas avivadas a branco.
Este ventó pertence a um raro grupo de peças com semelhante forma igualmente decoradas a goma-laca de cores. Apesar da existência de peças de mobiliário decoradas a goma-laca colorida produzidas nos centros do norte da Índia ao longo da costa ocidental para exportação para o mercado português e outros mercados europeus, este grupo de raros ventós sugere uma origem totalmente diferente. Evidência documental recentemente analisada aponta para a identificação deste raro grupo com objectos referidos como tendo origem em Chaul (actual Forte Revdanda, no Maharashtra), então parte da Província do Norte do Estado Português da Índia. François Pyrard de Laval (ca. 1578-ca. 1623), no seu relato de viagem, diz-nos que “a principal mercadoria [de Chaul] são as sedas que lá se fazem, e em tão grandes quantidades que fornece quase sozinha as necessidades de Goa e de toda a Índia, sendo totalmente diferentes das feitas na China”. A par destes têxteis de seda, informa-nos Laval, Chaul produz “um grande número de cofres, arcas, caixas, e escritórios ao modo da China muito bem feitos” e também “catres e leitos acharoados de todas as cores”.
Somando este recém-identificado exemplar, conhecemos apenas um punhado de ventós com decoração semelhante. Dois, da colecção de Celso Roboredo Madeira, Almendra, estiveram expostas durante muitas décadas no Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa. Outro (36,5 x 33,0 x 46,0 cm), com decoração floral relevada semelhante a um dos ventós da colecção Roboredo Madeira, pertence à colecção Távora-Sequeira Pinto, Porto. Estes dois ventós, de fundo a negro, apresentam um arranjo de flores mais formal, possivelmente inspirado em gravuras botânicas europeias coevas. O ventó da colecção Roboredo Madeira com fundo a negro apresenta cenas no interior da porta e nas frentes das gavetas representando arquitectura de origem portuguesa, incluindo uma igreja, casais em trajes portugueses coevos e até servos negros carregando sombrinhas sobre seus senhores. Também aí vemos curiosas cenas de caça, com um padre franciscano matando pássaros com seu arcabuz, caça a cavalo e combates entre animais, como tigres matando veados. Tudo isto mais corrobora a identificação do seu centro de produção com a Chaul sob domínio português. O segundo ventó da colecção Roboredo Madeira, de fundo vermelho-alaranjado vivo, apresenta no interior da porta uma paisagem com um edifício de origem igualmente portuguesa, caracterizado pelos típicos telhados altos piramidais revestidos a telha, com uma grande árvore florida semelhante às do presente ventó. Todos estes ventós, ao contrário do mobiliário acharoado fabricado no norte da Índia - nomeadamente no Sinde e ao gosto europeu - partilham a mesma influência extremo-oriental, ou mesmo chinesa na sua concepção. A disposição têxtil da decoração floral deste nosso ventó, com seu padrão floral reticulado, mais aponta para a sua origem mais a sul nas tradições artísticas do subcontinente indiano.

Hugo Miguel Crespo
Centro de História, Universidade de Lisboa

Bibliografia:

CARVALHO, Teresa Nobre de, Clara Serra, As Flores do Imperador. Do Bolbo ao Tapete (cat.), Lisboa, Museu Calouste Gulbenkian, 2018

CRESPO, Hugo Miguel, Choices, Lisboa, AR-PAB, 2016

CRESPO, Hugo Miguel, A Índia em Portugal. Um Tempo de Confluências Artísticas (cat.), Porto, Bluebook, 2021

PYRARD DE LAVAL François, Voyage de Pyrard de Laval aux Indes orientales (1601- 1611), ed. Geneviève Bouchon, Xavier de Castro, vol. 2, Paris, Chandeigne, 1998

  • Arte Colonial e Oriental
  • Artes Decorativas
  • Diversos

Formulário de contacto - Peças

CAPTCHA
This question is for testing whether or not you are a human visitor and to prevent automated spam submissions.
Image CAPTCHA
Enter the characters shown in the image.