Contador sobre trempe

Nº de referência da peça: 
A576

Cabinet on stand
Portuguese State of India Northern Province, probably Thane or Mumbai, late-16th c.
Teak, ebony, sissoo, ivory, and dyed bone; gilt copper hardware | 112 x 66 x 38 cm
Prov.: José Ferreira, Oporto

Contador sobre trempe
Teca, ébano, sissó, marfim e osso tingido de verde; ferragens de cobre dourado
Província do Norte do Estado Português da Índia, Taná? Bombaim?, século XVI (finais)
Dim.: 112,0 x 66,0 x 38,0 cm
A576

Rare, ebony (Dyospirus ebenum) veneered teakwood (Tectona grandis) cabinet on stand, of sissoo (Dalbergia latifolia), teak, ivory, and green-dyed bone inlaid marquetry decoration, fixed to the structure by small brass pins and enhanced by profuse, scalloped and pierced, gilt copper hardware elements.
The cabinet case features six drawers, arranged in three tiers, simulating nine drawer fronts for symmetry, each front with identical applied openwork copper lock escutcheons. Additionally, the two large lateral handles and respective pierced plates are also cast in the same metal, as are the spiralled dome headed decorative tacks, pinned onto the ebony veneered drawer-divider frames. The cabinet stand features two large, open round arches surmounted by a pair of identical drawers.
The carpet-like decorative marquetry compositions are defined by symmetrically arranged flowering branches, framed by borders of four and eight-petaled rosettes. On the lateral elevations, as well as on the cabinet top surface, these naturalistic elements are centred by a characteristic pattern of ebony, ivory, and green-dyed bone isometric cubes. The plain, undecorated back suggests that the cabinet was intended to be placed against a wall.
The sissoo carved legs, inlaid with ivory, teak, and green-dyed bone details, are shaped as Nagini - Indian deities of human female head and torso - touching her breasts, in an allusion to fertility, and featuring one single, snake-like, lower limb. Contrasting to other related examples, the carving of these decorative elements is of particularly refined quality. Nagini are the female versions of the Naga, Sanskrit term for a deity, or a class of entity or being, that takes the format of a large snake. In Hindu religious culture, Nagas are considered nature’s spirits closely linked to water, rivers, lakes and seas, and guardians of springs, wells, and rivers, providing rain and hence, fertility. They remain subjects of reverence among women, particularly in southern India, as female deities conveying fertility and prosperity. They fulfil an apotropaic role intended to ward off evil, therefore protecting the precious contents safeguarded in the cabinet’s interior, be it money, documents, jewellery, or other valuables.
As is common rule for Indian produced furniture commissioned for the Portuguese market, this cabinet replicates a European typology that was taken to Asia by early Portuguese settlers. Its exuberant, and clearly “horror vacui” decorative composition however, together with the intricate, scalloped and pierced gilt copper hardware elements, evidence its Indian origin. As such it embodies the cultural and artistic synthesis that emerged from the arrival of the Portuguese in India.
Contemporary sixteenth century Portuguese written sources refer the village of Thane, nowadays part of Mumbai, as a manufacturing centre renowned for its Muslim artisans that produced exceptional marquetry furniture. It is thus possible that this cabinet’s origin was precisely Thane, then part of Portuguese India’s Northern Province. A precious piece of furniture, it belongs to a singular group produced in India for the Portuguese market, which has only recently been identified in terms of its precise geographical origin, decorative inspiration (Iranian, Ottoman and European) and historical production context.

Hugo Miguel Crespo
Centre for History, University of Lisbon

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Um raro contador sobre trempe de teca (Tectona grandis), faixeada a ébano (Dyospirus ebenum) e com embutidos de sissó (Dalbergia latifolia), teca, marfim e osso tingido de verde fixos com pinos de latão. A sua rica decoração ainda mais sublinhada pelas copiosas ferragens de cobre dourado recortadas e vazadas.
O caixote apresenta seis gavetas (simulando nove por uma questão de simetria), dispostas em três fiadas, cada uma com seu próprio espelho de fechadura recortado e vazado, assim como duas pegas e seus espelhos vazados dispostos em cada lado. Os entrepanos das gavetas, faixeados a ébano, são decorados com pregaria de cobre dourado. A trempe, com seus dois vãos em arco, apresenta duas gavetas na parte superior.
A decoração embutida em tapete consiste em plantas floridas dispostas em simetria com cercaduras de rosetas de quatro e oito pétalas. Os campos centrais das ilhargas e topo incluem o típico padrão de cubos isométricos alternando ébano, marfim e osso tingido de verde. O tardoz não é decorado, o que indica ser um móvel de encostar à parede.
As pernas, totalmente entalhadas em sissó com embutidos de marfim, teca e osso tingido de verde, têm a forma de nagiṇi, representadas com a cabeça e o tronco de uma mulher tocando os seios (fertilidade) e a parte inferior do corpo como que serpente enrolada. Ao contrário de outros muitos exemplares conhecidos, o entalhe destas nagini é verdadeiramente excepcional e de grande refinamento.
Nagiṇi é a versão feminina de Naga, palavra sânscrita para divindade ou tipo de entidade sobrenatural com a forma de uma grande serpente. Na cultura religiosa hindu, as nagas são considerados espíritos da natureza intimamente ligados à água, rios, lagos e mares, sendo protectores de nascentes, poços e rios, propiciando chuva e, assim, a fertilidade. São ainda hoje objecto de grande reverência cultual especialmente no sul da Índia e, em particular, cultuados por mulheres enquanto como divindades femininas, trazendo fertilidade e prosperidade às suas devotas. As nagiṇi cumprem uma função apotropaica, para afastar o mal e proteger os objectos valiosos custodiados no seu interior, como dinheiro, documentos, jóias e objectos preciosos.
Como é de regra quanto à produção de mobiliário na Índia sob encomenda portuguesa, este tipo de contador apresenta forma e origem europeia, copiando as peças de mobiliário trazidas para a Ásia pelos portugueses, enquanto a sua exuberante decoração, em claro horror vacui, a par das intrincadas ferragens de cobre dourado recortadas e vazadas, é de origem indiana local.
Trata-se de um verdadeiro exemplo da síntese cultural e artística que teve lugar após a chegada dos portugueses à Índia. Dado que a documentação portuguesa do século XVI refere a aldeia de Taná, ou Thane - hoje parte da cidade de Mumbai (Bombaim) -, na qual floresceu uma grande comunidade de artesãos muçulmanos, como origem de preciosos móveis marchetados, é muito provável que o centro de produção deste contador de mesa seja precisamente Taná, então parte da Província do Norte do Estado Português da Índia.
Este precioso contador sobre trempe pertence a um excepcionalmente raro grupo de raras peças do mobiliário mais recuado fabricado para o mercado português e identificado apenas recentemente quanto à sua origem geográfica, fontes decorativas de inspiração (iranianas, otomanas e europeias) e contexto histórico de produção.

Hugo Miguel Crespo
Centro de História, Universidade de Lisboa

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