Tony Malau - O Santo António do Congo

Nº de referência da peça: 
F1097

Tony Malau - O Santo António do Congo
Marfim
Antigo Reino do Congo, Séc. XVIII
Alt.: 7,8 cm
Prov.: M.H.R., Lisbon
Peça semelhante em: “Masterpieces” PAB p. 9

Tony Malau — Saint Anthony of Kongo
Ivory
Kingdom of Kongo, 18th century
Height: 7,8 cm
Prov.: M.H.R., Lisbon
Similar piece in “Masterpieces” PAB p. 9
F1097

Rare ivory miniature depicting Saint Anthony of Kongo – also referred to as “Anthony of Good Fortune”, “Toni Malau”, “Ntony Malau” or “Dontoni Malau” – a remarkable symbol of the Christian movement that emerged within the Kingdom of Kongo in the early part of the 18th century.
The small pendant figure is portrayed with clear local artistic traits; flattened skull that alludes to a tonsure, oval face and almond shaped eyes of prominent lids and unmarked orbits, wide nose and full lips suggesting mild mandibular prognathism. The Saint, wearing the characteristic Franciscan hooded habit, belted at the waist by a knotted cord, holds the Infant Jesus on his left arm and the cross in his right hand. Of identical physiognomical characteristics, the Child points to the cross with the right hand.
The assimilation of the figure of Saint Anthony of Lisbon by the various Congolese peoples’ is closely tied to Portuguese popular beliefs and to the devotion this Saint attracted. Saint Anthony fulfills a major role in the Order of the Friars Minor, to which the Capuchins were related, a most relevant congregation in the Christianization of the Old Kingdom of Kongo.
His cult, mainly assimilated by the indigenous groups that referred to it in Kongolese language as Toni Malau, gave rise to a new religious movement known as “Anthonianism”. Albeit initiated by Portuguese missionaries, this early cult would be intensified by the social crises that followed the Kongolese defeat at Mbwila, assuming messianic aspects by the hand of Kimpa Vita. Originating from the Kingdom capital, Mbanza Kongo, and baptized Beatriz, this priestess had been trained as nganda marinda, a person said to be able to cummunicate with the supernatural world, while simultaneously being indoctrinated into Catholicism.
The visionary founder of this new movement, Beatriz claimed to have died and, on resuscitating, to have been possessed by Saint Anthony. Amongst other prophecies the Saint had commanded her to rebuild the greatness of the Old Kingdom, by then devastated by civil war and weak leadership. In this syncretic current, various catholic concepts were creatively adapted to permit a new reading of the Christian message by the local Bantu / Bakongo peoples. It is such an example the adulteration of the Holy Family biographies: Beatriz’s mystic vision revealed that the Holy Family was in fact African, from Mbanza Kongo rather than from Palestinian Nazareth.
Without ever disputing Rome’s authority, Beatriz disavowed local clergy for distancing themselves from the spiritual needs of the Kongolese people. She converted the “Tony Malau” into the mystic axis of this wide popular movement that proposed redemption in life and the radical Africanization of Christ. Her followers took over Mbanza Kongo, the Kingdom’s capital, dispatching envoys throughout the land and inviting local chieftains to adhere to their project of political rebuilding and reunification.
The “legal” existence of “Anthonianism” was brief. Considered a Messianic cult, Beatriz was charged with rebellion and heresy, trialed and condemned to death by fire in 1706, an outcome determined by the commitment of local dignitaries and the Italian Capuchin Friars Bernardo da Gallo e Lorenzo de Lucca. Following from this event Tony Malau would enter clandestinity.
The cult, as defined by its priestess, reaches syncretic processes that impose strict rituals of amalgamated cultural codes, symbolically represented by small sculptures used for its dissemination, and whose iconography can be better understood in light of a “resignification” or “Congolese Catholicism” phenomenon.
Of the various iconographies of Saint Anthony, it was the one with the Cross and the Child Jesus that inspired the Congolese Tony Malau. This depiction was solidly introduced in Portuguese art from the 16th century, particulalry by Flemish influence, appearing here as Nkisi (a spirit inhabited object) and religious amulet, that protects against illness and other evils.
It was widely believed that these small images had the power of recovering lost and stolen objects, protecting ships and their passengers and crews from shipwrecking, as well as healing when in contact with body areas believed to shelter illness. More importantly, beyond these powers focused on the individual, “Anthonianism” promoted the belief that its followers were the “Chosen People”.
These miniature figures, often evidencing major wear and tear and polished surfaces resulting from intense rubbing, were also worn as powerful protective totems during pregnancy and childbirth.
Congolese figures of Saint Anthony in wood, brass or bronze survive at various Museum collections such as the Musée Royal de l’Afrique Centrale, Tervuren, Inv. N.º 1955.9.23 and the Metropolitan Museum of Art, New York, Inv. N.º 1 999.295.1. The rarest are undoubetdly the ivory made examples, carved in a high status and precious material, that were first mentioned in a list of “ivory objects” sent in 1498 by the Kongo ruler, the “Manikongo”, to the Portuguese king D. João II. In addition to the early 18th century example here described, undoubtedly a treasure of “Anthonianism”, another two are known at the Metropolitan Museum of Art, New York and at the Santo António Museum in Lisbon.

Rara escultura em marfim representando Santo António do Congo - também conhecido por “António de Boa Fortuna“, “Toni Malau”, “Ntony Malau” ou “Dontoni Malau” - um dos mais notáveis símbolos do movimento religioso que se desenvolveu no Congo, nos inícios do século XVIII.
A estatueta, em pendente com gancho no reverso, apresenta-se em vulto perfeito, com as características imagéticas da região. Com calote craniana retificada simulando tonsura, rosto oval, olhos amendoados de pálpebras salientes e inscritas em órbitas vazias, nariz largo, boca de lábios carnudos, e denotando um certo prognatismo maxilar. Veste hábito franciscano, de túnica longa com capucho, cintada com corda, em laçada dupla. Segura o Menino Jesus, sentado e apontando para a cruz com o indicador direito, que apresenta características fisionómicas idênticas às suas e marcado desgaste no fácies.
A integração da imagem de Santo António de Lisboa na arte e cultura dos diferentes povos congoleses prende-se com as crenças populares portuguesas e a devoção a ele consagrada. Este Santo desempenha um papel maior na Ordem dos Frades Menores, com os quais estavam relacionados os Capuchinhos, congregação que exerceu um papel preponderante na cristianização do Antigo Reino do Congo.
A veneração de Santo António tocou em particular as populações autóctones e, o culto de Toni Malau, como era comumente designado na língua congolesa, deu origem a um movimento religioso, denominado “antonianismo”.

Apesar desta devoção ter sido iniciada anteriormente pelos religiosos portugueses, ela foi intensificada com a crise social instalada na altura da derrota congolesa em Ambuíla, tendo tomado aspectos de messianismo, pela mão de Kimpa Vita. Baptizada com o nome de Beatriz e natural de Mbanza Congo (a capital do Reino) esta sacerdotisa tinha pertencido ao culto de Marinda (nganda marinda) e, simultaneamente, educada na religião católica.

A visionária fundadora deste movimento apregoava ter falecido e ao ressuscitar fora possuída por Santo António. De entre as várias profecias, ele ter-lhe-ia ordenado que restabelecesse a grandeza do antigo Reino, assolado, na altura, por guerras civis e sem a coordenação de um líder único. Nesta corrente sincrética vários conceitos católicos foram alterados de uma forma bastante original, implicando uma nova leitura da mensagem cristã pelas tribos banto / bacongo. É exemplo a adulteração das biografias da Sagrada Família: a visão mística ter-lhe-ia revelado que a Sagrada Família era, na verdade, uma família de negros nascidos em Mbanza Congo e que Jesus Cristo fora baptizado no Norte, na província de Nizundi e não em Nazareth.

Sem contestar a autoridade do Papa, Dona Beatriz repudiava o clero local por se encontrar muito distante das necessidades espirituais do povo congolês. Converteu “Tony Malau”, o Santo António Congolês, no eixo místico deste amplo movimento popular, que procurava, simultaneamente, a redenção em vida e a africanização radical de Cristo. Os seus seguidores chegaram a tomar a capital Mbanza Kongo e terão enviado emissários a todos os cantos do Reino, convocando os chefes locais a aderirem ao projecto de reconstrução e reunificação politica.

O Antonianismo conheceu uma existência “legal” muito breve. Considerado como uma forma de messianismo, a sua fundadora foi julgada, acusada de rebelião e heresia e condenada à morte numa fogueira, dois anos depois, em 1706. Para esse desenlace tiveram atuação preponderante os nobres locais e, principalmente, os capuchinhos italianos Bernardo da Gallo e Lorenzo de Lucca. A partir dessa data o Tony Malau passou à clandestinidade.

O culto imposto por esta sacerdotisa atinge processos sincréticos que obedecem a ritos, com códigos culturais miscigenados e simbolicamente representados por pequenas esculturas, utilizadas para a sua disseminação, cuja iconografia pode ser melhor entendida à luz de um fenómeno de “ressignificação” ou de “catolicismo congolês”.

Das diferentes iconografias antonianas, foi a figura do Santo com a Cruz e o Menino, que originou o Tony Malau congolês. Esta representação estava solidamente implantada na arte portuguesa desde o século XVI, por influência flamenga, surgindo aqui como Nkisi (objecto onde o espirito habita) e insígnia religiosa de proteção contra a doença e outros males.
As imagens tinham, não só o poder de recuperar objectos perdidos ou roubados e de proteger as embarcações e os passageiros dos naufrágios, mas também poderes curativos, quando em contacto com as áreas enfermas do crente. Para além destas capacidades voltadas para a próprio indivíduo, o Antonianismo suscitava nos seus adeptos a predestinação de se considerarem “o povo escolhido”.

As estatuetas apresentam geralmente um grande desgaste e a superfície muito brilhante, resultante da fricção nas zonas do corpo atingidas pela doença, na esperança da cura para as maleitas. Este “tóteme” era também usado pelas mulheres, pendurado ao pescoço, durante a gestação e inclusivamente no parto, na esperança que este fosse bem-sucedido.
A escultura congolesa legou à posteridade singelas imagens de Santo António, comumente executadas em madeira, latão ou bronze - Inv. N.º 1955.9.23, Musée Royal de l’Afrique Centrale, Tervuren; Inv. nº. 1 999.295.1 Metropolitan Museum of Art - raramente em marfim, material mais precioso, que mereceu a atenção do Manicongo (governante do reino), como documentam os “objectos de marfim” que enviou ao rei português, D. João II, na embaixada de 1498. É o caso do Tony Malau do Metropolitan (Inv. nº 1999.295.1), da imagem que está no Museu de Santo António em Lisboa, que fez parte do nosso acervo até há cerca de dois anos, e desta miniatura que apresentamos, dos inícios do século XVIII, que se impõe como um dos tesouros notáveis do movimento Antoniano.

  • Arte Colonial e Oriental
  • Arte Cristã
  • Marfins

Formulário de contacto - Peças

CAPTCHA
This question is for testing whether or not you are a human visitor and to prevent automated spam submissions.
Image CAPTCHA
Enter the characters shown in the image.