Cofre

Nº de referência da peça: 
F1308

Teca, e madrepérola; montagens de prata
Índia, Guzarate e provavelmente Lisboa (montagens), séc. XVI (segunda metade)
Dim.: 16 x 26 x 14 cm
Prov.: Coleção Particular, Portugal

Casket
Teak and mother-of-pearl with silver mounts
India, Gujarat and probably Lisbon (mounts), second half of the 16th century
Dim.: 16 x 26 x 14 cm
Prov.: P.C., Portugal

A rectangular Gujarati casket of prismatic, faceted lid, made in exotic timber, probably teak (Tectona grandis), and coated in mother-of-pearl tesserae cut from green turban sea snail shell (Turbo marmoratus), a marine gastropod, fixed to the wooden structure by large, dome-headed silver tacks that have replaced the original brass pins.
Set on four ball-shaped silver feet, its four elevations feature a complex fish scale pattern framed by plain borders. Contrasting with these, the three wider lid segments are characterised by an angular fish scale pattern of identical border and by a narrow peripheral frieze of triangles.
This exceptional casket was also ornamented with sumptuous silver mounts, possibly applied in Goa, or more probably in Lisbon, considering the particularly erudite nature of the decoration. The casket edges are reinforced by thin bands of silver, decorated with acanthus leaves chased frieze. Both the lock and the hinges are similarly chased with fine scrolls (rinceaux) over a stripped ground, reminiscent of the engraved sources that inspired its decoration. As is the norm in such caskets, there is a lizard on the latch, an apotropaic element which protected the casket’s valuable contents. The top handle finials, shaped as snake heads, underline the protective purpose of such details.
The Indian origin of this production, namely from Cambay and Surat, in present day State of Gujarat in north-western India, has been consensual for the last decades, as well as fully demonstrated by documental and literary evidence - descriptions, travelogues and contemporary archival documentation – and by the survival in situ of 16th century wooden structures coated in mother-of-pearl tesserae.
A particularly fine and relevant example of one such structure, is the canopy over the Sufi Saint Sheik Salim Chisti’s (1478-1572) tomb, in Fatehpur Sikri in the Agra district of Northern India. This is an artistic production, geometric in character and Islamic in nature, in which the mother-of-pearl tesserae form complex patterns of fish scales or, like dishes made using the same technique, stylized lotus flowers with thin brass sheet and pins.
The lid’s faceted, prismatic shape, like their contemporary tortoiseshell counterparts also made in Gujarat, corresponds to a familiar European type made from tooled leather coated wood fitted with iron bars, as to better protect its contents.
Regardless of the mounts particularities, the exceptional character of this casket as a testimony to contacts between Portuguese clienteles and Gujarati craftsmen, resides in the rare figurative inner lid and casket interior decoration, painted over a vivid red ground. In the former, centrally placed amidst stylized vegetation, two hornless Indian Antelope females and one male, also known as blackbucks (Antelope cervicapra), leaping, and featuring characteristic prominent long ears, flanked by birds and two hares chased by a dog. In the latter, a couple dressed in typical Portuguese India attire; the male in jerkin over the shirt, ruff (wide starched collar), baggy pants and top hat in 1560s-1570s fashion. The female in a skirt (saio), bodice (similar to the male jerkin) and long skirt, her hair styled in a chignon, as would become the norm for female hairstyles, particularly in Goa.
This rare depiction, which points to the marital character of many of these Gujarati objects made for the Portuguese market, is one of a rare group of objects featuring these figurative depictions in coloured shellac. Other such objects that belong to this same group are, the large hand washing basin from Dresden (Grünes Gewölbe, inv. IV 248) that features animals painted on its reverse, the small writing chest depicting an Indian couple (from the São Roque collection), and another small casket with zoomorphic decoration now in a private collection. The casket described is unquestionably an important contribution to this rare group, which predates by some decades the well-known “cabinet of family scenes”, and a significant testimony of the Portuguese presence in Asia.

Cofre de corpo paralelepipédico e tampa prismática, facetada, de madeira exótica, provavelmente teca (Tectona grandis) revestido a mosaico de madrepérola (da concha do gastrópode marinho Turbo marmoratus) fixo à estrutura de madeira com grandes balmázios de prata em substituição dos originais em latão.
Assente em quatro pés esféricos em chapa de prata, apresenta na frente, ilhargas e tardoz um complexo padrão de escamas imbrincados bordejado por cercaduras lisas. Na tampa, as três faces de maiores dimensões apresentam um padrão de escamas angulares limitadas igualmente com cercadura lisa e as laterais, mais pequenas, estão decoradas por friso enxaquetado de triângulos.
Este importante cofre foi enriquecido com sumptuosas montagens de prata porventura em Goa, ou mais provavelmente em Lisboa dado o carácter erudito da sua decoração. Todas as arestas do cofre são protegidas por finas chapas de prata delicadamente cinzeladas com friso de folhas de acanto estilizadas. O espelho da fechadura e as dobradiças no tardoz são também cinzeladas, com finos enrolamentos vegetalistas (rinceaux) sobre fundo raiado, reminiscente das fontes gravadas que inspiraram a decoração. Como é habitual nestes cofres, destaca-se um lagarto sobre a lingueta, figura apotropaica protectora dos valores aí custodiados. A pega da tampa, em linha quebrada, apresenta cabeças de serpente enquanto terminais, mais sublinhando a necessidade de protecção.
A origem indiana desta produção, em concreto de Cambaia e Surat, no actual estado do Guzarate, no norte da Índia é, desde há várias décadas, plenamente aceite e comprovada, tanto do ponto de vista documental e literário - por descrições, relatos de viajantes e documentação de arquivo da época - como pela sobrevivência in situ de estruturas de madeira cobertas por tesselas de madrepérola.
Tal é o caso do baldaquino do túmulo do santo sufi, Sheikh Salim Chisthi (1478-1572) em Fatehpur Sikri no distrito de Agra no norte da Índia. Trata-se de uma produção de cariz geométrico e âmbito islâmico, onde por vezes as tesselas de madrepérola desenham complexas composições de escamas ou, à semelhança dos pratos também realizados com a mesma técnica, usam fina chapa de latão e pinos no mesmo metal, de flores-de-lótus estilizadas.
A forma do nosso exemplar, de tampa prismática, facetada, corresponde - como acontece com os congéneres realizados na mesma época em tartaruga, igualmente no Guzarate - a uma tipologia de origem europeia, de que se conhecem exemplares coevos em madeira revestida a couro e reforçada com tiras de ferro forjado melhor protegendo os valores que aí se podiam custodiar.
Pese embora a qualidade das montagens, o carácter excepcional desde cofre, enquanto testemunho do contacto entre a clientela portuguesa e os artífices guzarates que o produziram, reside na rara decoração figurativa no interior, quer na tampa, quer no fundo, sobre vermelho intenso.
No interior da tampa na tabua mediana, por entre vegetação estilizada, destacam-se antílopes-indianos, duas fêmeas (sem chifres) e um macho, conhecidos por antílopes-negros (Antilope cervicapra) com suas longas orelhas, em movimento parecendo saltaar. Uma das laterais é decorada com aves e a outra duas lebres perseguidas por um cão.
No fundo do interior do cofre, sobressai um casal português trajando o vestuário típico usado na Índia portuguesa e adaptado às suas condições climatéricas. Ele veste roupeta sobre camisa, mantéu de abanos (o largo colarinho engomado), calças largas e chapéu alto à moda dos anos de 1560-1570. Ela enverga saio com corpinho (muito semelhante à roupeta da figura masculina) e saia comprida e o cabelo apanhado em chignon, que se tornou a norma dos penteados femininos na Índia portuguesa, mormente em Goa.
Esta raríssima figuração, que aponta mais uma vez para o carácter matrimonial de muitas destas peças guzarates produzidas para o mercado português, pertence a um raro grupo com este tipo de representação figurativa a goma-laca de cores.
A este grupo pertencem uma grande bacia de água-às-mãos de Dresden (Grünes Gewölbe, inv. IV 248) com animais pintados no tardoz, uma arqueta-escritório com casal local (da São Roque), e pequeno cofre com animais de uma colecção particular. Trata-se de uma adição importante a este raro corpus, que antecede nalgumas décadas o bem conhecido “contador das cenas familiares”, sendo um relevante testemunho da presença portuguesa na Ásia.

Hugo Miguel Crespo

  • Arte Colonial e Oriental
  • Artes Decorativas
  • Marfim, Tartaruga e Madrepérola

Formulário de contacto - Peças

CAPTCHA
This question is for testing whether or not you are a human visitor and to prevent automated spam submissions.
Image CAPTCHA
Enter the characters shown in the image.