Santo António do Congo / Saint Anthony of Kongo, Reino do Congo, séc. XVIII (?) / Congo Kingdom, 18th. (?)
madeira exotica / exotic wood
36 cm
F1420
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This remarkable vessel, which takes the form of an anthropomorphic head, (or cephalomorphic cup), carved from wood by artists of the Kuba kingdom (Democratic Republic of Congo) belongs to a group of palm wine cups intended for members of the aristocracy. Its pronounced stylization seamlessly blends with a naturalism of great formal and ornamental beauty, exuding a remarkable expressiveness. Palm wine, a beverage consumed during festivals, funerals, and various secular social events, held an important role in male ritual initiations.Adorning the surface of this receptacle, featuring a top opening, are numerous incisions that embellish it, forming a variety of ornamental patterns. The hair and headdress take on the appearance of a basket, while the facial features exhibit a geometric precision, notably, the almond-shaped eyes, crowned by thick incised eyebrows arranged in rhythmic parallel and herringbone lines separated by four vertical parallel lines in the middle of the forehead. The triangular nose and double-pointed mouth convey strength and symmetry to the head, enhancing the serenity and regality of the face; the facial scarifications - identity marks for the community - further reinforce its overall symmetry. On the reverse, a forearm-shaped wing extends from the neck to the nape of the neck, with a closed hand.The geometric patterns visible on this cup share a connection to the kingdom's textile art, as do other sculptures and objects adorned with designs reminiscent of the luxurious velvety raffia fabrics, which were employed in royal and initiation ceremonies. The intertwined knots, known as nnaam, and the raised faceted diamond pattern present in the hair area, are prevalent in the decorative arts of this community, as is the zig-zag – a royal symbol - in architecture. Furthermore, the parallel lines in the centre of the forehead are indicators of the elevated social status of the figure portrayed.Each pattern carries a name derived from the analogy between the design and various forms found in nature. The isolated geometric shapes, incised on the face and nape of the neck, or featured on the neck and handle in a zig-zag pattern, hold individual significance. According to Vansina, these isolated elements are signs, such as the double knot inscribed in a square, referred to as imbol, which when used behind a mask, establishes a connection to the king. [1]While some historians connect the closed hand motif - also found on drums - to emblems of the warrior society symbolizing a dead enemy and possibly associated with a war event in the late 19th century, others link it to rituals with no definitive evidence for either interpretation[2]. However, interestingly, in other sub-Saharan African kingdoms like Benin (in present-day Nigeria), the representation of the hand is closely tied to the Portuguese, associated with the metal “manilhas” (bracelets) – brought by them to trade with the Edo peoples - having been introduced into ritual objects of royal art. Furthermore, the handle of the object evokes European ewers, replicating their shape seen in silverware or Portuguese faience, which featured various forms, including animals and human figures.Kuba artists are celebrated for their inventive approach to adorning practical items like cups and goblets, with a surge in sculptural specialization starting in the 1890s. Human-shaped pieces (head or entire body), stand out as the most prestigious objects, considered to be genuine sculptures, whose virtuosity is clearly visible in this piece. Typically, the heads represent titled officers, individuals who have attained their status through personal merit, since among the Kuba, titles are not hereditary.Similar cups can be found in the British Museum in London, identified by the inventory number Af1949,46.399, and in the Metropolitan Museum of Art in New York, with the inventory number AN1979.206.108, both dating from the 19th - 20th centuries. However, the São Roque cup distinguishes itself among these surviving examples through its refined aesthetics. The cup's sophisticated shape and decoration serve - beyond its utilitarian purpose - as a visual reminder of its owner, undoubtedly a person of significance, standing as a symbol of wealth and prestige.
[1] VANSINA, J., Art History in Africa, An Introduction to Method, Routledge, Taylor & Francis Group, 1984, p. 117.[2] IDEM, pp. 54-55.
Escultura em madeira, representando Santo António, esculpida no século XVIII / XIX no Reino do Congo. Em posição hierática, ligeiramente inclinado, está representado como frade franciscano, com tonsura e hábito característico desta Ordem mendicante e assente em base circular raiada. O rosto oval, de características predominantemente europeias, embora com algumas particularidades locais - nomeadamente os grandes olhos salientes, o nariz com base de implantação larga e a boca arqueada - denota grande expressividade especialmente no olhar. Com longa túnica de burel e capuz, cintada com corda e caindo até aos pés, está calçado com simples sandálias e teria a cruz latina na mão direita. A postura evidencia devoção e acentua o carácter sagrado da escultura, reforçado pela atitude solícita com que segura o Menino, que se encontra em pé sobre o livro dos Evangelhos. Jesus ergue a mão direita, em gesto de bênção do Salvator Mundi, evocando da sua hagiografia o famoso milagre da aparição do Menino enquanto rezava. Esta interessante imagem retrata o padroeiro de Lisboa - também designado Santo António de Pádua numa alusão à cidade italiana onde faleceu - cuja popularidade se estendeu a distantes territórios ultramarinos durante a expansão portuguesa, com grande difusão na África centro-ocidental. Talhada em madeira, matéria-prima muito comum na produção escultórica africana, na iconografia e no ‘sincretismo’ da imagem ressoa a influência do cristianismo levado pelos viajantes e missionários portugueses para o antigo reino do Congo, nos finais do séc. XV. O advento da conversão do Congo à religião cristã foi um processo dinâmico, que se desenvolveu através dos séculos, veiculando narrativas que se associaram a inovações artísticas, conforme se pode observar na produção prolífica nesta região, bem evidente nesta escultura de Santo António.A indumentária permite identificar a Ordem Franciscana - a capa e o capuz remetem para os Frades Menores Capuchinhos, ramo desta ordem que foi criado já no séc. XVI - embora o cordão, tenha dois nós e não três como é habitual, simbolizando os conselhos evangélicos. Foi após a oficialização dos Frades Capuchinhos, em 1528, que se começaram a esculpir imagens com esta iconografia, tendo a ação evangelizadora destes missionários sido mais efetiva a partir de 1641. Este tipo de esculturas, anunciando o Evangelho de Jesus Cristo ao mundo, contribuiu para veicular o carácter universal do cristianismo, em particular a sua divulgação neste reino africano convertido. A mensagem foi amplamente divulgada no período pós-tridentino (Concílio de Trento, 1545-63) e adaptada ao Mundo Atlântico - neste caso, ao Congo - onde a doutrina cristã foi aceite e tacitamente integrada, atendendo ao seu ‘sincretismo’ e considerando as cosmologias deste reino. Nascido em Lisboa, em 1195, o culto a Santo António teve uma enorme difusão após a morte (Pádua, 1232) e subsequente consagração da sua santidade, acentuando-se no séc. XV, com a evocação do seu nome e dos seus milagres - entre os quais destacamos o sermão aos peixes, em Rimini. Depois de ter terminado os seus estudos em Coimbra, ingressa na Ordem dos Frades Menores em 1220 e parte para Marrocos, local onde cinco franciscanos tinham sido martirizados. Posteriormente, viaja para Assis, em Itália, centro organizacional da Ordem franciscana. A sua fama foi propagada durante os Descobrimentos, através das missões diplomáticas europeias, em particular no reino do Congo, mas também em todo o Oriente e noutros territórios do império português, facto que ficou materializado em numerosas esculturas de marfim, latão e madeira, produzidas a partir do séc. XVII. A ação do clero, bem como a presença dos objetos devocionais que acompanhavam os missionários, foram relevantes para continuar a promover o cristianismo nestes territórios. Nos finais do séc. XV, a conversão e o baptismo do rei do Congo , Nzinga a Nkuwu - que adotou o nome de João I - e as interligações que então se desenvolveram entre as duas culturas, dariam origem a num fenómeno novo. A adesão ao cristianismo foi espontânea, não imposta, e, a partir do núcleo governativo deste reino, estendeu-se às populações, tendo para tal contribuído não apenas a presença dos missionários no Congo, mas também as viagens de diplomatas que faziam parte das elites do Congo, ao reino português, onde estudaram e foram instruídos na fé católica. Inúmeros congoleses, falantes de Kikongo, foram baptizados e aprenderam a falar e escrever latim e português. As relações com os portugueses foram exclusivas até à segunda década do séc. XVII . Não obstante os interesses diplomáticos e políticos de ambos no abraçar da religião católica, este reino captou a atenção de várias Ordens religiosas fora do patronato lusitano, como a Companhia de Jesus. Em meados do séc. XVI, os Jesuítas produziram o primeiro catecismo nesta região da África Central, redigido em português e em Kikongo. Seguiram-se os Franciscanos e a Ordem Menor dos Capuchinhos, frades mendicantes que aí chegaram em 1645, no início das guerras entre portugueses e holandeses. Estes navegadores aliaram-se ao monarca congolês, para tomar a colónia portuguesa de Angola e lá permaneceram, entre 1641 e 1648. Apesar do declínio gradual das relações luso-congolesas a partir de 1655 e do número de missionários capuchinhos, estes continuaram o trabalho evangelizador na região até 1834, no ano da Extinção das Ordens religiosas masculinas em Portugal e nos seus domínios ultramarinos, altura em que deixaram Luanda. A cultura material e artística produzida, que inclui crucifixos e esculturas de santos, ilustram o conceito do ‘Cristianismo Congo’ que o povo incorporou na sua vida social, política e espiritual. A imagem ubíqua do Santo padroeiro de Lisboa, evidencia a forma como os conceitos do cristianismo foram transformados ou adaptados à espiritualidade endógena. Além de reveladora de uma nova forma da religião católica, esta correlação permitiu ao Congo reconhecer e moldar a sua visão do mundo e, simultaneamente, alargar os horizontes da cristandade. Esta singular escultura em madeira destinava-se, provavelmente, a europeus para devoção em contexto monástico ou civil, atendendo à sua indumentária e ao tipo fisionómico do Santo, que se diferencia das esculturas produzidas para consumo interno, como é o caso do designado Tony Malau, usualmente representado com feições mais africanas, ligando-se ao culto do “Antonianismo”. Não se excluindo um uso local, esta escultura pode ter feito parte de um grupo de objetos que as elites produziram em torno da religião cristã.
[1] VANSINA, J., Art History in Africa, An Introduction to Method, Routledge, Taylor & Francis Group, 1984, p. 117.[2] IDEM, pp. 54-55.
Escultura em madeira, representando Santo António, esculpida no século XVIII / XIX no Reino do Congo. Em posição hierática, ligeiramente inclinado, está representado como frade franciscano, com tonsura e hábito característico desta Ordem mendicante e assente em base circular raiada. O rosto oval, de características predominantemente europeias, embora com algumas particularidades locais - nomeadamente os grandes olhos salientes, o nariz com base de implantação larga e a boca arqueada - denota grande expressividade especialmente no olhar. Com longa túnica de burel e capuz, cintada com corda e caindo até aos pés, está calçado com simples sandálias e teria a cruz latina na mão direita. A postura evidencia devoção e acentua o carácter sagrado da escultura, reforçado pela atitude solícita com que segura o Menino, que se encontra em pé sobre o livro dos Evangelhos. Jesus ergue a mão direita, em gesto de bênção do Salvator Mundi, evocando da sua hagiografia o famoso milagre da aparição do Menino enquanto rezava. Esta interessante imagem retrata o padroeiro de Lisboa - também designado Santo António de Pádua numa alusão à cidade italiana onde faleceu - cuja popularidade se estendeu a distantes territórios ultramarinos durante a expansão portuguesa, com grande difusão na África centro-ocidental. Talhada em madeira, matéria-prima muito comum na produção escultórica africana, na iconografia e no ‘sincretismo’ da imagem ressoa a influência do cristianismo levado pelos viajantes e missionários portugueses para o antigo reino do Congo, nos finais do séc. XV. O advento da conversão do Congo à religião cristã foi um processo dinâmico, que se desenvolveu através dos séculos, veiculando narrativas que se associaram a inovações artísticas, conforme se pode observar na produção prolífica nesta região, bem evidente nesta escultura de Santo António.A indumentária permite identificar a Ordem Franciscana - a capa e o capuz remetem para os Frades Menores Capuchinhos, ramo desta ordem que foi criado já no séc. XVI - embora o cordão, tenha dois nós e não três como é habitual, simbolizando os conselhos evangélicos. Foi após a oficialização dos Frades Capuchinhos, em 1528, que se começaram a esculpir imagens com esta iconografia, tendo a ação evangelizadora destes missionários sido mais efetiva a partir de 1641. Este tipo de esculturas, anunciando o Evangelho de Jesus Cristo ao mundo, contribuiu para veicular o carácter universal do cristianismo, em particular a sua divulgação neste reino africano convertido. A mensagem foi amplamente divulgada no período pós-tridentino (Concílio de Trento, 1545-63) e adaptada ao Mundo Atlântico - neste caso, ao Congo - onde a doutrina cristã foi aceite e tacitamente integrada, atendendo ao seu ‘sincretismo’ e considerando as cosmologias deste reino. Nascido em Lisboa, em 1195, o culto a Santo António teve uma enorme difusão após a morte (Pádua, 1232) e subsequente consagração da sua santidade, acentuando-se no séc. XV, com a evocação do seu nome e dos seus milagres - entre os quais destacamos o sermão aos peixes, em Rimini. Depois de ter terminado os seus estudos em Coimbra, ingressa na Ordem dos Frades Menores em 1220 e parte para Marrocos, local onde cinco franciscanos tinham sido martirizados. Posteriormente, viaja para Assis, em Itália, centro organizacional da Ordem franciscana. A sua fama foi propagada durante os Descobrimentos, através das missões diplomáticas europeias, em particular no reino do Congo, mas também em todo o Oriente e noutros territórios do império português, facto que ficou materializado em numerosas esculturas de marfim, latão e madeira, produzidas a partir do séc. XVII. A ação do clero, bem como a presença dos objetos devocionais que acompanhavam os missionários, foram relevantes para continuar a promover o cristianismo nestes territórios. Nos finais do séc. XV, a conversão e o baptismo do rei do Congo , Nzinga a Nkuwu - que adotou o nome de João I - e as interligações que então se desenvolveram entre as duas culturas, dariam origem a num fenómeno novo. A adesão ao cristianismo foi espontânea, não imposta, e, a partir do núcleo governativo deste reino, estendeu-se às populações, tendo para tal contribuído não apenas a presença dos missionários no Congo, mas também as viagens de diplomatas que faziam parte das elites do Congo, ao reino português, onde estudaram e foram instruídos na fé católica. Inúmeros congoleses, falantes de Kikongo, foram baptizados e aprenderam a falar e escrever latim e português. As relações com os portugueses foram exclusivas até à segunda década do séc. XVII . Não obstante os interesses diplomáticos e políticos de ambos no abraçar da religião católica, este reino captou a atenção de várias Ordens religiosas fora do patronato lusitano, como a Companhia de Jesus. Em meados do séc. XVI, os Jesuítas produziram o primeiro catecismo nesta região da África Central, redigido em português e em Kikongo. Seguiram-se os Franciscanos e a Ordem Menor dos Capuchinhos, frades mendicantes que aí chegaram em 1645, no início das guerras entre portugueses e holandeses. Estes navegadores aliaram-se ao monarca congolês, para tomar a colónia portuguesa de Angola e lá permaneceram, entre 1641 e 1648. Apesar do declínio gradual das relações luso-congolesas a partir de 1655 e do número de missionários capuchinhos, estes continuaram o trabalho evangelizador na região até 1834, no ano da Extinção das Ordens religiosas masculinas em Portugal e nos seus domínios ultramarinos, altura em que deixaram Luanda. A cultura material e artística produzida, que inclui crucifixos e esculturas de santos, ilustram o conceito do ‘Cristianismo Congo’ que o povo incorporou na sua vida social, política e espiritual. A imagem ubíqua do Santo padroeiro de Lisboa, evidencia a forma como os conceitos do cristianismo foram transformados ou adaptados à espiritualidade endógena. Além de reveladora de uma nova forma da religião católica, esta correlação permitiu ao Congo reconhecer e moldar a sua visão do mundo e, simultaneamente, alargar os horizontes da cristandade. Esta singular escultura em madeira destinava-se, provavelmente, a europeus para devoção em contexto monástico ou civil, atendendo à sua indumentária e ao tipo fisionómico do Santo, que se diferencia das esculturas produzidas para consumo interno, como é o caso do designado Tony Malau, usualmente representado com feições mais africanas, ligando-se ao culto do “Antonianismo”. Não se excluindo um uso local, esta escultura pode ter feito parte de um grupo de objetos que as elites produziram em torno da religião cristã.
Provenance
Coleção particular, Espanha.Receba as novidades!
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