Pote

Nº de referência da peça: 
C440

Two-Handled Urn
Portuguese faience
Lisbon, 1630–1640
H.: 40.0 cm
Prov.: Vasco Valente and E. Coelho, Oporto; J.M.J., Lisbon
Exhib.: «Un Siècle en Blanc et Bleu», Paris, 2016, p. 94
Pub.: «Lisboa na Origem da Chinoiserie», Lisbon, 2018, p. 96

Pote
Faiança portuguesa
Lisboa, 1630 – 1640
Alt.: 40,0 cm
Expo.: «Un Siècle en Blanc et Bleu», Paris, 2016, p. 94
Pub.: «Lisboa na Origem da Chinoiserie», Lisboa, 2018, p. 96

Imposing and rare wheel-thrown 17th century faience urn of oval, bulbous profile with curving shoulder and well defined neck. The sophisticated and unusual shape is decorated in cobalt-blue pigment applied to a tin-white glaze background.
The decorative scheme, filling the whole surface, is dense, reflecting a horror vacui inherited from Islamic prototypes. However, the artist chose to depict the two human figures in a western manner albeit within a typically oriental landscape. On one side the elaborate depiction of a female figure with a fruit headdress, holding a large “Horn of Plenty” or Cornucopia – symbolizing the Earth – on a ground of trees and blossoming branches, two hares shading under a bush and a Buddhist wheel by two birdcages, all the elements in perfect symbiosis.
On the opposing side another female figure, in a long skirt and tight waist long sleeved bodice with lace cuffs and ruff, sits on a terrace holding a bird, surrounded by plants and flowers, a pomegranate tree and a large flying bird of Paradise, suggesting the possibility that the figure portrays the noblewoman that commissioned the piece. However it is clearly noticeable that the costume is in an out of fashion style from an earlier period, and therefore it might instead represent an allegory to spring, probably copied from an existing contemporary engraving.
The two scenes are separated by vertical rectangular panels placed beneath the handles, decorated with grotesque mask ornaments in a field of scrolls on a cobalt-blue ground. The shoulder is encircled by a wide band of daisies topped by a narrow band of filleted framed scrolls reaching up to the flaring lip.
The lower part of the urn is ringed by a band of lanceolate cartouches with palm leaves, inspired by the ruyi head patterns found on decorative Ming period pieces.
For most of the 16th and 17th centuries Europeans had attempted to replicate the imported glazed hard paste porcelain. Unable to unravel the manufacturing secrets for that desirable and precious material, European potters, namely the Portuguese, settled for the production of fine paste faience pieces, which they decorated by adapting and reinterpreting the Ming porcelain decorative designs of deer, birds, flowers, fruits, figures or Buddhist symbols.
In the specific case of this urn it is possible to identify a combination of inspirational sources, which reveal a complex web of meanings. The Baroque period favoured the use of allegory and symbolic language propagated by illustrations and printed books, from which the artisans copied symbols to be decoded by the viewer, simultaneously turning them into a type of immaterial collective heritage. In this symbolic language, the Earth is portrayed by an abundance of flowers and fruits, translating the ephemerality of substance as well as the evanescence of things and of earthly pleasures.
In his “Treaty of Iconology”, Cesare Ripa uses them as symbolic attributes of senses, inasmuch as they allow us to savour, smell and observe. Both flowers and fruits are symbolic of nature’s beauty and creative power, as opposed to man-made, thus inspiring us to aim for the sublime and the divine. In this context, the female figure is placed in an idyllic setting with flowers, fruits and exotic flying birds, interacting with the bird that sits candidly on her hand, which in this context represents the spiritual, while the bird in flight inspires an escape from the earthly world that, on separating from earth, becomes almost ethereal.
The flowers surrounding the figure with exposed frontal or profiled corollae, allude to Hope, growing from deep inside the earth but blossoming in Light, in an analogy to the Lost Paradise Garden, while the two hares taking cover under a tree, stand for symbols of fertility.
The ripe, naturally red coloured pomegranates allude to Resurrection and Hope, while the palms, Christian conventional iconographic models, refer to the Victory of Christ over death.

Imponente e raro pote em faiança portuguesa do séc. XVII, rodado, de forma ovóide e bulbosa, com colo demarcado, duas asas e pintado a azul-cobalto sobre o esmalte branco.
A decoração é densa e preenche integralmente toda a sua superfície, testemunhando o horror vacui, característica derivada de modelos islâmicos. Embora de nítida influência oriental, a representação humana têm tipologia ocidental estando inserida numa paisagem de sabor orientalizante.
Numa face, a personagem ornamentada com frutos, na cabeça e na grande cornucópia que ostenta no regaço – simbolizando a Terra – está inserida num cenário de arvoredo e ramos floridos, com um casal de lebrões à sombra de uma árvore e uma roda budista junto a duas gaiolas de pássaros, tudo numa perfeita simbiose de elementos.
No outro lado, uma dama num varandim, com saia comprida e corpete justo assinalando a cintura, de mangas compridas com punhos e gola de renda e que cheira uma flor e segura um pássaro na mão, está rodeada por densa vegetação, onde se destaca uma romãzeira e um pássaro em pleno voo. Embora se admita representar uma fidalga, eventualmente a encomendante da peça, está vestida com traje anterior à época de fabrico do pote, o que
nos leva a crer que possa tratar-se de uma representação da Primavera, tirada de uma gravura da época.
Estes dois quadros estão separados por um painel rectangular vertical sob a asa, com um mascarão, motivo oriundo da Grécia e usado nas representações teatrais, destinado a esconder a expressão humana. Está circundado de volutas e elementos vegetalistas, que sobressaem de um fundo a azul-cobalto.
Ombro com ramos de boninas terminando em colo curto, decorado com volutas e bordo revirado.
Na base, reservas emolduradas por barras e filetes, circunscrevendo formas lanceoladas, vazadas em folhas de palmeira, inspiradas nas cabeças de ruyi, que encontramos nas porcelanas Ming.
A Europa dos séculos XVI e XVII tenta produzir a pasta dura e vidrada das porcelanas que lhe chegavam da China, não conseguindo no entanto, ir além de faianças, que decora com motivos orientais inspirados na gramática decorativa dos Ming: gamos, aves, flores, frutos, personagens e símbolos são pintados até à exaustão nas composições que preenchem as faianças portuguesas de Seiscentos.
Estamos em presença de um exemplar que combina diferentes influências, e a análise iconográfica revela-nos uma profunda e complexa teia de significados. O período barroco é pródigo no emprego da linguagem simbólica difundida na época, quer pelas gravuras, quer pelas obras manuscritas, a partir das quais os artistas reproduziam os símbolos, destinados a serem descodificados pelo observador, convertendo-os em património colectivo.
Na linguagem simbólica, a Terra é representada por abundantes flores e frutos, que traduzem a efemeridade da matéria, a fugacidade dos bens e dos prazeres terrenos. Cesare Ripa,
no seu tratado de iconologia, usa-os como atributos simbólicos dos sentidos, porquanto nos permitem saborear, cheirar e observar. Tanto as flores como os frutos são símbolos de beleza natural que se opõem à matéria inventada pelo homem e neste sentido, também nos inspiram ao sublime e ao divino.

A dama, que simboliza a Primavera, está num cenário idílico de flores, frutos e pássaros exóticos, e olha com doçura para um pássaro pousado na sua mão. Este representa o espírito, em oposição à matéria, e o voo inspira a uma evasão do mundo terreno, que ao separar-se da terra se torna quase etérea. As flores que envolvem a figura, de corolas abertas ou pintadas de perfil, pretendem simbolizar a Esperança, crescendo da terra mas desabrochando na luz, alegoricamente representando o jardim do paraíso perdido.
O casal de lebrões, abrigados debaixo de uma árvore simboliza a fecundidade; a romãzeira com seus frutos abertos e sementes vermelhas, alude à Ressurreição e à Esperança e as palmas são um símbolo da vitória de Cristo sobre a morte, na iconografia cristã.

  • Arte Portuguesa e Europeia
  • Azulejos e Faianças

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